Com mudança na Lei de Acesso à Informação, até comissionados podem impor sigilo a dados públicos
O presidente em exercício, general Hamilton Mourão, assinou um decreto modificando a Lei de Acesso à Informação (LAI), que entrou em vigor em 12 de maio de 2012, quando foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Publicado na edição do Diário Oficial da União na quinta-feira (24), o decreto autoriza servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas a decidir sobre o sigilo de dados públicos até o nível ultrassecreto. Isso torna os dados indisponíveis por um período de 25 anos.
Antes, somente o presidente, o vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior podiam fazer esse tipo de classificação.
O grau máximo de sigilo é o ultrassecreto, em seguida vem o grau secreto, com 15 anos de sigilo, e o reservado, que estabelece prazo de cinco anos até que as informações possam ser tornadas públicas.
Os servidores comissionados que poderão gerenciar o carimbo do sigilo são os DAS (Direção e Assessoramento Superiores) 101.6 e 101.5., com salários de R$ 16.944,90 e R$ 13.623,39, respectivamente.
Para o jornalista Ricardo Kostcho disse que Mourão decretou o fim da Lei de Acesso a Informação.
Segundo ele, a Lei, o principal instrumento da sociedade para se informar sobre o que os governos querem esconder, era muito utilizada por jornalistas investigativos, uma raça em extinção.
Ao analisar as regras do decreto, Kostcho disse que o objetivo de Mourão é o de que os documentos “nunca se tornem públicos”.
Entidades que militam pela transparência na administração pública também criticaram duramente o decreto de Mourão. Para o diretor Executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, as alterações podem representar um retrocesso na publicação dos dados do governo.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que o decreto é “esquisito” e “bastante prejudicial”.
O ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, Mauro Menezes (de 2016 a 2018), classificou a mudança como deplorável.
“O sistema de transparência pública sofre um golpe duro com essa ampliação indiscriminada dos agentes capazes de impor sigilo a dados públicos”.
Decreto altera a LAI, sancionada por Dilma
A Lei de Acesso à Informação (LAI) colocou o Brasil em 89º do ranking de países com legislação específica para regulamentar o direito, previsto na Constituição Federal, de acesso a informações públicas.
Antes de sair da presidência, em maio de 2016, Dilma assinou outro decreto que ampliava o escopo da LAI, instituindo a Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal.
A LAI criou mecanismos que possibilitavam a qualquer pessoa (física ou jurídica) o acesso às informações públicas dos órgãos e entidades, sem necessidade de apresentar motivo.
Na contramão da cartilha do Moro
A alteração feita no governo Bolsonaro na prática amplia as possibilidades de sigilo de dados decretados pelo Estado. A iniciativa que vai no sentido contrário ao que prega o livro Novas medidas contra a corrupção, ostentado pelo então juiz Sergio Moro quando viajou de avião para se encontrar com o então presidente eleito Jair Bolsonaro, no encontro que selou sua ida ao governo.
A obra, tida por parte da imprensa como “cartilha de Moro”, já que, em tese, seria um de seus guias na gestão, surgiu depois do fracasso das chamadas ‘Dez medidas contra a corrupção’, propostas pelo Ministério Público.
O livro diz pretender resolver problemas como “a excessiva generalidade das hipóteses de sigilo previstas na LAI”, que, segundo o texto, “tem dado margem a uma interpretação ampliativa que inclui como sigilosas informações diversas, sem apresentação de justificativa adequada”.
O livro defende ainda “que todos os órgãos e entidades sujeitos à LAI deverão criar uma Unidade de Transparência e Acesso à Informação”, além de pregar a instituição de “testes de Danos e de Interesse Público com o objetivo de exigir uma formulação mais específica e restrita nos casos de sigilo, firmando este como exceção ao direito de acesso à informação”.
Após sua confirmação como futuro ministro, em breve entrevista coletiva, Moro disse que aquele era “o momento propício para a apresentação de um projeto legislativo. As dez medidas que foram apresentadas pelo Ministério Público estão dentro desse radar. Algumas dessas propostas serão resgatadas; outras, talvez, agora não sejam tão pertinentes quanto foram no passado”.
Fonte: Rede Brasil Atual
Foto: reprodução site CUT