Debatedores pedem aprovação de política para populações atingidas por barragens

Debatedores pedem aprovação de política para populações atingidas por barragens

Participantes de audiência concluem que Brasil não está cumprindo esforços para punir responsáveis por tragédias

Representantes da Justiça defenderam nesta quarta-feira (20) a aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens. A proposta (PL 2788/19) já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e aguarda votação dos senadores. O texto lista direitos dessas populações, como indenização, reassentamento da comunidade e auxílio emergencial em caso de desastre.

Segundo o defensor público federal Gabriel Saad Travassos, a matéria é fundamental para garantir segurança jurídica para as populações vítimas de barragens.

“Não me refiro apenas às situações gravíssimas e às populações vitimadas pelo rompimento. Existem outras populações que já são atingidas por barragens em razão de alarmes disparados sistematicamente sem qualquer tipo de orientação, da desvalorização dos imóveis, o que permite a expansão das áreas de domínio das mineradoras sem a reparação justa”, destacou o defensor.

O rompimento de barragens de mineração no Brasil foi discutido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, a pedido do deputado Carlos Veras (PT-PE), que preside o colegiado. O parlamentar disse que todas as contribuições recebidas serão levadas em consideração em um relatório a ser elaborado.

A reunião abordou a continuidade, no Brasil, dos esforços para punir os responsáveis pelo rompimento de barragens, entre as quais a de Mariana (MG), em 2015, a de Jacareí (SP), em 2016, e a de Brumadinho (MG), em 2019.

O objetivo é garantir que as vítimas das tragédias tenham respeitados seus direitos de acesso à justiça e de reparações pelos danos causados. Trata-se de uma recomendação recebida pelo Brasil no mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU).

Descumprimento

A conclusão dos participantes do debate é a de que o Brasil não está cumprindo a recomendação. O coordenador de Direitos Humanos e Empresas da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Thales Cavalcanti Coelho, apontou uma dificuldade de responsabilização de empresas em relação aos rompimentos, por falta de uma cultura de prevenção de riscos de violação de direitos humanos pelas companhias.

“A ação penal proposta contra as empresas e seus dirigentes foi decotada ao longo da tramitação. Teve desclassificação de crimes de homicídio, imputados pelo Ministério Público, para crimes de inundação seguida de morte”, exemplificou Coelho.

Os participantes do debate reclamaram ainda da falta de protagonismo das vítimas no processo penal. Segundo eles, as empresas usam o poder econômico para contratar advogados e entrar com recursos, o que faz com que o Poder Judiciário não responda rapidamente à população.

O deputado Padre João (PT-MG) enxerga um “atestado de incompetência” na paralisia dos processos. “O poder econômico tem sido cruel e vem tentando contaminar os três Poderes”, lamentou.

Vítimas
Presidente da Associação dos Familiares de Vítimas de Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão, em Brumadinho, Alexandra Costa relatou ter perdido irmão, primo, amigos e conhecidos na tragédia. Ela reclamou da violação de direitos e pediu ajuda técnica para que os crimes sejam reparados.

Por sua vez, o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens Iury Bezerra disse que há um padrão de violação dos direitos humanos em todas as grandes obras. Para ele, o Estado brasileiro é parte da violação de direitos, o que possibilita a impunidade.

“A questão de Mariana é um crime que se renova. Você não tem as famílias cadastradas, você tem reassentamentos que não foram construídos, tem situação de insegurança. Imaginem vocês quem vive às margens de uma barragem, sabendo que ela pode se romper. Você não tem direito de saber o que fazer no caso de rompimento de barragem. Não tem preparação da população. Não tem diálogo”, reclamou Bezerra.

Ações do governo
Presente ao debate, o coordenador-geral de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, Daniel Lima, listou ações da pasta relativas aos rompimentos. Segundo ele, as empresas devem apresentar relatórios de vistorias das barragens e também a Agência Nacional de Mineração foi dotada de mais capacidade de fiscalização, entre outras medidas.

O coordenador do grupo de trabalho sobre Mineração, Meio Ambiente e Direitos Humanos do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Leandro Scalabrin, no entanto, reclamou de uma insuficiência de recursos e pessoal disponível para essa fiscalização.

Scalabrin disse ainda que os municípios não estão preparados nem conhecem os planos de salvamento nas emergências.

A recomendação do representante regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na América do Sul, Jan Jarab, é para que os compromissos assumidos sejam implementados pelo Estado brasileiro, a partir de um esforço coordenado pelos três Poderes nas esferas municipal, estadual e federal, com a participação ativa da sociedade civil.

As empresas, segundo Jarab, também precisam adotar medidas urgentes para garantir a reparação dos danos causados e a prevenção de novos colapsos.

RPU
A Revisão Periódica Universal é o instrumento da Organização das Nações Unidas (ONU) que analisa a situação de direitos humanos de seus estados-membros.

No final de 2019, a Câmara dos Deputados e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos firmaram parceria para a criação de um Observatório Parlamentar no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, com o objetivo de monitorar as recomendações recebidas pelo Brasil. A colaboração foi renovada em 2020 para vigência por mais um ano, contado a partir de fevereiro de 2021.

Fonte: Agência Câmara de Notícias – Foto: Clovis Neto/Pref. Corumbá

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