Brasil já tem quase um milhão de motoboys e maioria é informal, diz Dieese
Pesquisa do Dieese mostra que número de trabalhadores na categoria cresceu, mas renda caiu e taxa de informalidade é alta
Nas ruas de praticamente todos os grandes centros urbanos brasileiros, haverá um (ou mais) dos 950 mil motoboys entregadores de aplicativos correndo contra o tempo para entregar algum pedido, ou para fazer alguma entrega dentro do prazo determinado, sem perdão para atrasos, ganhando pouco, sem direitos e ainda se arriscando muito.
O estudo “Perfil dos motoboys e entregadores de mercadorias”, elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, do IBGE, mostra as condições desses trabalhadores e trabalhadoras de entregas que atuam a pé, de bicicleta, motocicleta, prestando serviços para estabelecimentos comerciais como restaurantes, farmácias e supermercados ou plataformas digitais, como IFood e Rappi.
A pesquisa é parte da cooperação com a central sindical alemã DGB, que desenvolve há mais de três anos um projeto de apoio à formação e organização de jovens trabalhadores.
De acordo com o estudo do Dieese, a remuneração média da categoria é de R$ 1.325,00, quase 40% inferior a dos demais trabalhadores (R$ 2.166,00). No recorte por gênero, a média cai ainda mais. As mulheres que trabalham com entregas têm rendimento médio de R$ 1.280,00. Apesar da média nacional, em regiões como Norte e Nordeste, a renda média chegou a ser inferior ao salário mínimo nacional.
A renda é menor, mas a jornada é maior. Durante a pandemia, os entregadores passaram a ganhar, média, R$ 220,00 a menos do que antes. Ganhar menos, porém trabalhando mais. A pesquisa mostrou que para os motoboys, a média da jornada semana aumentou de 29 para 38 horas no período entre maio e setembro.
Vale ressaltar que os números se referem à média calculada entre todos entrevistados. Isso não quer dizer que todos eles façam as 38 horas por semana.
Apesar do baixo rendimento e da longa jornada de trabalho, virar entregador de aplicativo foi a única opção para os milhões de trabalhadores que estão desempregados no país e ficaram sem esperança de recolocação depois que a pandemia agravou a crise econômica no país, de conseguir botar comida na mesa e pagar algumas contas.
Esse foi o caso de Fabrício Dante Godoy, 25 anos, que perdeu o emprego durante a pandemia e encontrou na atividade uma forma de manter um mínimo de renda parra sobreviver. “Depois de dois meses desempregado eu precisei abraçar a ideia [de trabalhar como motoboy], porque tava ficando muito difícil, já sem nada pra pagar contas e até pra comer”.
Casado, pai de um menino de quatro anos de idade, Fabrício foi ‘para a rua se virar’ e, em alguns dias, chega a trabalhar durante 15 horas para levar algo para casa. O começo foi difícil porque não tinha a manha necessária para vencer o tempo. “Mas a gente aprende”, ele diz. Mais difícil ainda, de acordo com ele, foi ver que o rendimento mensal era, de fato, muito menor do que o salário do emprego anterior, de vendedor no comércio.
Diferente da grande maioria dos motoboys e entregadores, o ator Thiago Manzoni, 34 anos, que hoje trabalha com várias plataformas digitais, afirma conseguir chegar a R$ 100,00, por dia, com jornada de 11 horas. Casado e com um filho de 11 anos, ele trabalha com entregas na Praia Grande, litoral de São Paulo e recorreu à profissão para poder complementar a renda e ter horário flexível para continuar exercendo suas outras atividades, de ator e de confecção de casinhas para pets.
“Sempre trabalhei paralelamente pra ter uma renda extra. Durante a pandemia comecei a confeccionar as casinhas, mas as vendas caíram, por isso, agora entrei novamente no aplicativo, para trabalhar com entrega. É uma saída porque não tinha com o que trabalhar”, ele diz.
Precarização
Não importa se é a única renda da família, como no caso de Fabrício, ou um bico para complementar o orçamento, como no caso de Thiago, o fato é que todos têm trabalho precário, sem direitos. “Eles estão desprovidos de garantias básicas de saúde e segurança do trabalho”, afirma a técnica do Dieese, Camila Ikuta, uma das responsáveis pelo levantamento.
Número de entregadores aumentou
Depois da pandemia, o número de entregadores e motoboys cresceu 3,5% em todo o Brasil e a maioria deles (56,8%) está na informalidade, sem direitos trabalhistas e benefícios como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), não contribuem para a Previdência e, portanto, não podem se aposentar sem receber auxílio-doença ou auxílio-acidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), não têm direito a férias, 13º salário, auxílio-acidente, e demais conquistas da classe trabalhadora.
Além da crise econômica que mantém alto o patamar de desemprego no Brasil, a reforma Trabalhista também foi responsável por ampliar a precarização e por empurrar trabalhadores para esses tipos de trabalho, afirma a técnica do Dieese.
“A reforma gerou precarização porque foi elaborada com base no discurso patronal de modernizar as relações de trabalho, com promessa de geração de emprego, mas o que se observou foi que nada melhorou, pelo contrário, cresceu a informalidade, o desemprego e, principalmente, as contratações precárias como trabalho intermitente, trabalho parcial e trabalho por conta”, diz Camila, lembrando que a maioria dos motoboys e entregadores são informais.
Apesar de mais estar mais exposta a riscos em suas atividades profissionais, de acordo com o Dieese, o reconhecimento da sociedade em tempos de pandemia sobre a importância do trabalho dos entregadores para o funcionamento de outras atividades essenciais nesse período não se converteu em melhores condições de trabalho.
“Apesar de ser uma atividade que continua atraindo muitas pessoas como alternativa ao desemprego, as condições de trabalho impostas pelas empresas ampliam e aprofundam ainda mais a precarização do mercado de trabalho brasileiro”, diz a técnica do Dieese.
Não é de hoje
Situação comum em momentos de crise, as ocupações menos formalizadas e com menor remuneração acabam crescendo em ritmo superior ao das ocupações formais, sendo, muitas vezes, a única alternativa de trabalho para boa parte da população desempregada.
A secretária de Juventude da CUT, Cristiana Paiva, afirma que desde o golpe de 2016, o Brasil sofre com o aprofundamento da crise econômica e são os trabalhadores mais vulneráveis que pagam o preço.
“Os jovens principalmente são os mais atingidos, e os números da pesquisa mostram que a maioria é de negros, ou seja, o menino que não conseguiu acompanhar o ritmo de trabalhar e estudar e conseguir se manter economicamente. Aí, ele opta pela sobrevivência”, diz a dirigente.
Segundo a pesquisa, a maioria dos trabalhadores da categoria dos motoboys e entregadores (95,7%) é de homens, sendo que bem mais da metade (61,6%) são negros. Entre todos eles, 44% tem até 30 anos de idade.
Desafio
Cristiana Paiva reforça que o papel da CUT é proteger toda a classe trabalhadora brasileira e que para isso dois passos são fundamentais – organizar e filiar trabalhadores. Por isso, a secretaria de Juventude da CUT trabalha em projetos de formação dos jovens por meio de diálogos nas bases de trabalhadores, “indo até eles e conversando sobre a importância de todos se unirem em torno de uma luta”.
Para ela, é fundamental que haja um processo de ‘desalienação’, esclarecendo e alertando os jovens sobre o que ele vê na mídia e sobre discursos neoliberais de empreendedorismo, conceito maquiado de trabalho precário, sem direitos e com baixa remuneração.
“É papel da CUT fazer a organização e fazer a juventude entender o que é proteção ao trabalhador e já estamos criando meios de representar esses trabalhadores por aplicativos, uma categoria que necessita muito dessa luta”, reforça Cristiana Paiva.
Dieese explica
Camila Ikuta diz que a metodologia usada pelo IBGE foi de entrevistas por telefone. No momento em que o agente do instituto começa o questionário, pergunta a profissão e as respostas frequentes são “entregador e motoboy”. Cerca de 30% responderam ser motoboys e o restante “entregadores”.
“Assim, percebemos que a diferenciação não é tão clara sobre o que seriam essas duas atividades. No dia-a-dia essas ocupações exercem funções parecidas. O motoboy geralmente faz coleta e entrega de encomendas, mercadoria; ele pode entregar delivery para uma pizzaria, um restaurante, tendo vinculo empregatício ou não. O entregador também pode fazer essas coisas, de moto ou não. Pode ser ciclista e também pode se denominar entregador pois também trabalha para alguma plataforma digital”, ela esclarece.