Com fim da Carteira de Trabalho em papel, parte dos trabalhadores enfrenta dificuldades para acessar informações trabalhistas

Com fim da Carteira de Trabalho em papel, parte dos trabalhadores enfrenta dificuldades para acessar informações trabalhistas

À margem das facilidades advindas das inovações tecnológicas, como obter documentos “com um clique”, cidadãos vulneráveis, que não possuem smartphones e computadores, ou sequer têm acesso à internet, estão impedidos de visualizar as informações que constam na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). O documento oficial, em suma, registra a vida profissional do trabalhador e garante o acesso aos direitos trabalhistas previstos em lei, como seguro-desemprego, benefícios previdenciários e FGTS.

Tal situação ocorre desde 2021, quando o Governo Federal, por meio do então Ministério do Trabalho e Previdência, editou a Portaria nº 671 (acesse a íntegra aqui), que suspendeu a emissão física do documento. Desde então, o trabalhador precisa baixar o aplicativo ‘Carteira de Trabalho Digital’ ou acessar o ‘Portal Emprega Brasil’ caso pretenda verificar as informações e anotações da carteira.
Atualmente, 28,2 milhões de brasileiros acima dos 10 anos de idade não tem acesso à internet, conforme levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acerca do tema, divulgado no ano passado. O motivo mais mencionado para a exclusão digital foi não saber usar a internet (42,2%), enquanto 20% dos que foram consultados pelo IBGE apontaram motivos financeiros para a falta de acesso (14% disseram que o acesso à rede era caro e 6,2%, que o equipamento eletrônico necessário era caro).

A exclusão dos cidadãos mais vulneráveis ficou explícita durante o evento “Pop Rua Jud Pantanal”, tradicional mutirão de atendimento às pessoas em situação de rua, idealizado pela Justiça Federal em diversas regiões do país e que, entre os dias 6 e 8 de março, foi realizado pela primeira vez em Campo Grande (MS).
Pessoas em situação de rua não têm acesso ao documento
Ao lado da expedição de RG, o serviço mais procurado durante a ação, conforme a organização, foi a confecção da Carteira de Trabalho. Estandes da Fundação do Trabalho (Funtrab) e Funsat (Fundação Social do Trabalho), as casas do trabalhador responsáveis pela emissão do documento, e vinculadas ao Governo do Estado e Prefeitura de Campo Grande, respectivamente, foram instalados no local do evento, o antigo Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante e População de Rua (Cetremi) da capital, e tiveram de fazer um grande esforço para atender ao público.

Com a atuação vinculada ao que preconiza a Portaria do Governo Federal, ambas fundações necessitavam de, no mínimo, um endereço de e-mail para iniciar a emissão ou visualizar as carteiras de trabalho para as pessoas em situação de rua, muitas delas sem qualquer instrução, e que desconheciam o que era um endereço eletrônico para comunicação. Ter uma conta de e-mail é requisito mínimo para criar um login e senha pessoais de acesso às novas plataformas do Ministério do Trabalho e Emprego, que ficam concentradas no ‘Portal gov.br’.
Outra questão é que, para aqueles que já tinham a Carteira Digital emitida ao participarem de outras ações sociais, recuperar o acesso ao documento pela plataforma digital é dificultoso. É necessário fornecer informações detalhadas como, por exemplo, a data exata do desligamento de determinado emprego, valor específico de salários, entre outras perguntas criadas como forma de evitar o uso da conta digital por terceiros. Uma resposta errada e o sistema trava, e é liberado novamente somente após 24 horas.

Para não deixar que ninguém saísse desassistido, os servidores da Funsat e Funtrab chegaram a criar contas de e-mails para os cidadãos, até que as empresas que hospedam as contas eletrônicas passaram a bloquear novas tentativas, alegando que o procedimento poderia configurar fraude. Em uma grande teia de solidariedade, os computadores de estandes vizinhos passaram a ser utilizados, até serem esgotadas as possibilidades de atendimento.

Mais de mil pessoas em situação de rua passaram pelo mutirão ao longo dos três dias. Ao final, quem já tinha a CTPS emitida recebeu, em papel, um espelho do documento, que apesar de conter todo o histórico dos registros de trabalho, é mais suscetível a perdas, e não serve como documento oficial.

Quem não saiu com o espelho impresso, diante da impossibilidade de recuperação do acesso à plataforma digital do governo, levou um papel onde constava um login para, futuramente, fazer nova tentativa de visualizar o documento no formato digital.
Pela natureza de sua condição, as pessoas em situação de rua buscavam, primordialmente, ter um emprego formal e, assim, voltarem a viver em condições dignas. “Ninguém fica na rua porque quer. Falta oportunidade e o primeiro passo é arrumar um emprego, ter um registro em carteira para se sustentar”, afirmou Joice Garcia Rodrigues, que saiu sem o documento físico.

Ministério Público vai atuar para que brasileiros vulneráveis acessem a CTPS
A vice-procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), Simone Beatriz Assis de Rezende, atenta para o fato de que o novo sistema pode até representar avanços em termos de praticidade para empregadores e pessoas com acesso à tecnologia, mas exclui, de maneira cruel, os trabalhadores socioeconomicamente vulneráveis.

“Ao trabalhador, basta informar o número do CPF no momento da contratação. Para o empregador, as informações prestadas no eSocial substituem as anotações antes realizadas no documento físico, conforme a recente Portaria do Governo Federal. Pode representar um avanço ao considerarmos a agilidade e praticidade do processo, mas é um avanço que é cruelmente excludente para as pessoas vulneráveis”, afirma.

Diante da situação, a procuradora do Trabalho entrou em contato com a coordenadora nacional do MPT de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), Dra. Melícia Alves de Carvalho Mesel, colocando-a a par da experiência com o Pop Rua Jud e solicitando providências para reverter este tipo de exclusão das pessoas em situação de rua.

A situação chegou ao conhecimento da procuradora durante a ação da Justiça Federal, que contou com a participação do MPT, por meio da juíza federal Monique Marchioli Leite, diretora do Foro da Seção Judiciária do Mato Grosso do Sul (SJMS), que organizou a ação.
“Constatamos a exigência de um smartphone ou outro meio digital para obtenção do acesso à Carteira Digital. O problema é que a população em situação de rua e em extrema vulnerabilidade não tem acesso ou recursos financeiros para isso. São pessoas que ficam excluídas deste processo, o que configura o cerceamento de direitos básicos. Durante o Pop Rua Jud foram encontradas alternativas para solucionar o problema, mas recorremos ao MPT para que a questão seja ajustada no longo prazo”, pontua a magistrada, reforçando, ainda, que medidas administrativas de inclusão das pessoas em situação de rua estão previstas na Resolução nº 425/2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades.

(Fonte: Assessoria MPT 24ª Região – Foto: Portal do MS)

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