Spray contra covid cancelado pela Anvisa: Bolsonaro queria liberação emergencial e afirmou que eficácia era quase 100%

Spray contra covid cancelado pela Anvisa: Bolsonaro queria liberação emergencial e afirmou que eficácia era quase 100%

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cancelou nesta quarta (19/01) a autorização concedida ao spray antiviral Taffix no fim de dezembro. De acordo com a Anvisa, até o momento não foram apresentados estudos que comprovem a eficácia do produto israelense, fabricado pela empresa Nasuspharma.

O “spray israelense” foi enaltecido e defendido por Bolsonaro antes mesmo que pesquisas mostrassem a sua eficácia ou não.

Em 12 de fevereiro de 2021, Bolsonaro anunciava, após conversar com o então o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que o Brasil iria participar da fase três de testes do spray nasal EXO-CD24, contra a covid-19,  desenvolvido pelo Centro Médico Ichilov de Tel Aviv, em Israel. 

Pedido de liberação emergencial à Anvisa

No dia 15 de fevereiro de 2021,  Bolsonaro informa, via Twitter, que enviaria à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o pedido de liberação emergencial do spray, onde afirma que o produto teria “eficácia próxima de 100%”.

No dia 16 de fevereiro (2021), Bolsonaro disse em um vídeo publicado nas redes sociais, que enviaria uma comitiva brasileira para conhecer o spray. “Estamos acertando também uma comitiva que vai a Israel, do spray para curar a covid-19, o EXO-CD24. Se Deus quiser, vai dar certo”, disse em um vídeo gravado na praia de São Francisco do Sul, litoral norte de Santa Catarina.

“Pelo que tudo indica, o tratamento da covid em casos graves, através desse spray, tem tudo para dar certo”, acrescentou o presidente. Segundo ele, o Brasil deve participar da próxima etapa de testes do produto. A fase 1 de testes já foi concluída. “Já conversamos com a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Uma vez entrando a documentação de praxe, para o tratamento experimental, eu acredito que a Anvisa tem tudo para dar o sinal verde e começarmos também a testar no Brasil”.

Em 1 de março de 2021 o presidente disse a apoiadores – no “cercadinho” do Palácio da Alvorada – que o spray desenvolvido em Israel que estava sendo testado no tratamento da covid-19 poderia ser comprado pelo Brasil. Para Bolsonaro, o medicamento poderia significar mais uma ajuda para quem está hospitalizado em tratamento.

As tratativas iniciadas por Bolsonaro tiveram sequência com o envio de uma comitiva à Israel, chefiada pelo então ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que embarcou para Tel Aviv no dia 6 de março de 2021. Conforme a Agência Brasil, Araújo foi para Israel com o intuito de conhecer pessoalmente os detalhes da pesquisa. Bolsonaro disse na ocasião estar otimista com as negociações.

Nesta viagem, o ex-ministro Araújo foi repreendido por não estar usando máscara em evento oficial, para vergonha da diplomacia brasileira. Os deputados federais Eduardo Bolsonaro e Hélio Negão também participaram do tour, entre outros.

Viagem é citada na CPI da Covid: injustificável

Comitiva brasileira em Israel para tratar da compra do spray (Foto: Ministério das Relações Exteriores)

A dita viagem, onde foram gastos R$ 500 mil, foi citada na CPI da Covid. Matéria do site Brasil de Fato, de 11 de junho de 2021, repercutia depoimentos feitos pela cientista Natalia Pasternak e Claudio Maierovitch, que citaram a viagem como injustificável.

“De acordo com Pasternak, PHD em microbiologia, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e fundadora do Instituto Questão de Ciência (IQC), o investimento despendido pelo governo brasileiro surpreendeu inclusive os pesquisadores israelenses. “O remédio estava em uma fase tão inicial que não tinha porque atrair o interesse de um governo”, afirmou.

Sem justificativa

Por sua vez, Maierovitch – médico sanitarista, especialista em políticas públicas e gestão governamental e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – também afirmou à CPI da Covid que não havia justificativa para uma mobilização presencial desse tamanho e custo, apesar do desejo da ciência de encontrar novas formas de tratamento para a infecção:

“Uma coisa é troca de informações. Estamos trocando informações o tempo todo e aprendemos a fazê-la de forma eficaz, Pouca coisa precisa ser de forma física. Quando vi essa notícia (da viagem), fiquei me perguntando o que eles poderiam fazer lá. (…) Exercitei minha imaginação e não consegui pensar em nada que justificasse a presença física de alguém lá. Mesmo que fosse um grande especialista no desenvolvimento de medicamentos, ele teria pouca coisa a observar que não fossem documentos. De fato, achei inusitada a visita.”

Desinformação mata

Segundo os pesquisadores à comissão, o investimento federal no spray israelense como solução “milagrosa” é apenas o resumo das falhas cometidas pelo governo Bolsonaro. O presidente sempre apostou em medicamentos comprovadamente sem eficácia, como cloroquina e ivermectina, e foi contrário às principais recomendações da ciência de consenso internacional, como distanciamento social e o uso de máscaras.

Questionada pelo relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) se a postura de Bolsonaro em defesa do chamado “tratamento precoce” contribuiu para desacreditar a vacina e as medidas de restrição social e aumentar o número de vítimas da doença do novo coronavírus, Natalia Pasternak respondeu positivamente à pergunta.  “Eles morreram de desinformação”, afirmou. “Entre as mais de 482 mil vidas perdidas, parte são de vítimas que não adotaram as recomendações e acreditaram em uma cura falsa e milagrosa.”

“A crença de que existe uma cura simples, barata, que seria o sonho de todos nós leva as pessoas a um comportamento de risco”, explicou. A postura de Bolsonaro, continuou, “confunde as pessoas em relação à gravidade da doença que estamos enfrentando e da necessidade de medidas restritivas”. “Negacionismo mata”, sintetizou.

Ainda, de acordo com Natalia Pasternak, desde junho de 2020 há informações nacionais e internacionais suficientes “para não indicar a cloroquina como tratamento médico (em pacientes com covid)”. Países, como os Estados Unidos, abandonaram já à época o uso do chamado coquetel de “tratamento precoce”.

Humberto Costa (PT-PE), líder do partido no Senado e membro da CPI da Covid, frisou à comissão que “tem gente ganhando muito dinheiro com o chamado ‘kit covid’. Aumento de mais de 50% nas vendas”.

Veja a matéria completa do Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2021/06/11/cpi-da-covid-nada-justifica-viagem-de-r-500-mil-a-israel-buscando-spray-milagroso

Comunicado da Anvisa de 19/01/2022 cancelando a autorização

“Após receber autorização de notificação, produto apresentou alegações de ser bloqueador de vírus dentro da cavidade nasal e altamente eficaz no bloqueio de vários vírus respiratórios, incluído o Sars-CoV-2. No entanto, não foram apresentados estudos clínicos que comprovem eficácia para esse fim, o que torna necessário o cancelamento imediato”, informa a agência.

resolução que cancela a autorização foi publicada no Diário Oficial da União de hoje (19).

Segundo a autoridade sanitária, as empresas que desejarem regularizar sprays antivirais “devem comprovar todas as indicações de uso propostas por meio de estudos clínicos”. A identificação da irregularidade ocorreu por meio da Auditoria de Dispositivos Médicos Isentos de Registro, programa responsável por conferir o cumprimento de critérios e requisitos técnicos de produtos para saúde, regularizados de forma simplificada.

Por meio da notificação, a Anvisa regulariza produtos para saúde isentos de registro. O regime de notificação dispensa análise técnica prévia para regularização do produto, desde que requisitos documentais sejam atendidos pelas empresas solicitantes.

“Uma vez que o peticionamento seja realizado, o processamento dessas solicitações passa por rito inicial puramente administrativo, até a emissão do número de notificação. Posteriormente, a Anvisa realiza auditorias periódicas no banco de dados de produtos para saúde notificados, como forma de verificação de conformidade”, justifica a agência.

Eber Benjamim/Gazeta Trabalhista – com informações da Agência Brasil, Brasil de Fato e Twitter

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