Moro pede demissão e diz que Bolsonaro faz interferência política na PF; dólar chega a R$ 5,65

Moro pede demissão e diz que Bolsonaro faz interferência política na PF; dólar chega a R$ 5,65

Sérgio Moro acaba de anunciar seu pedido de demissão do Ministério da Justiça, ao final de entrevista coletiva em Brasília. Surpreendido pela publicação no Diário Oficial da União desta sexta-feira, 24, com a demissão do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Leite Valeixo.

Moro negou que a publicação tenha sido a pedido, conforme consta no Diário Oficial e foi divulgado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Disse que não existiu pedido de Aleixo e nem aval dele, sendo uma decisão unilateral do presidente Jair Bolsonaro.

O ex-ministro da Justiça fez um histórico de sua atuação à frente do Ministério nesse pouco mais de um ano em que esteve à frente da pasta, destacando como ponto positivo a queda nos índices de criminalidade, fruto, segundo ele, da integração da PF com as polícias estaduais e até as guardas municipais.

Interferência política na Polícia Federal

Moro disse que assumiu o Ministério com o compromisso de que teria autonomia para suas ações e indicações, tanto dos diretores-gerais como dos superintendentes, as Polícias Federal e Rodoviária Federal, e que – desde o segundo semestre do ano passado – começou a receber pressão de Bolsonaro para trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro. Segundo Moro em nenhum momento foi apresentado um motivo relevante para tal, mas que naquele momento concordou tendo indicado o substituto.

O presidente teria então, passado a pressionar para trocar tanto o diretor-geral quando os superintendentes estaduais. Moro afirmou que disse ao presidente que isso seria uma interferência política ao que o presidente teria respondido que seria mesmo.

Segundo Moro, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que gostaria de ter como diretor-geral e superintendentes pessoas com as quais teria relação direta a ponto de poder ligar para ter acesso a informações sobre o andamento de operações e até à relatórios de inteligência da corporação. Segundo Moro isso não aconteceu nem mesmo nos governos Lula e Dilma e chegou a dar como exemplo de como seria se Dilma ou Lula ligassem para o diretor-geral ou o superintendente da PF em Curitiba para obter informações sobre o andamento de operações como a da Lava Jato. Em outras palavras, disse que a interferência política que Bolsonaro está fazendo não houve no governo do PT.

Daí a gravidade com que ele viu a demissão unilateral do diretor-geral da PF,  ferindo o compromisso que Bolsonaro havia feito com ele, e do qual do general Heleno seria testemunha, de que assumiria o ministério da Justiça com autonomia para indicar os diretores da PF e Polícia Rodoviária Federal.

Segundo Moro não existe nenhuma razão objetiva para a demissão de Valeixo, que a seu ver vinha desempenhando um bom trabalho. E que não se trata de nomes, mas da forma, do procedimento, de Jair Bolsonaro que a seu ver terá repercussões profundas e negativas na PF.

Disse também que não gostaria de pedir demissão num momento que o país enfrenta a pandemia do coronavírus, pois isso pode criar uma crise política, mas que ficou sem saída frente à decisão unilateral de Bolsonaro e quem tem a defender, além da própria biografia, a autonomia da instituição Polícia Federal.

Crise sanitária, política e econômica

Sergio Moro vinha sendo considerado um dos bastiões políticos de sustentação política de Bolsonaro, cujo governo encontra-se profundamente abalado em diversas frentes. No plano econômico, desde antes da crise do coronavírus, já estava claro que o “Plano Guedes” tinha feito água e o país caminhava para uma recessão, apesar da aprovação de projetos considerados “vitais” para dar impulso, como foram as reformas da previdência e trabalhista, que causaram profunda insatisfação tanto entre servidores públicos como entre os trabalhadores da iniciativa privada, que tiveram muitos direitos retirados da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e o acesso à previdência social/aposentadoria dificultados.

A promessa era que essas reformas eram essenciais e que gerariam empregos, dando impulso à economia. Porém, os trabalhadores ficarem com menos direitos, com a aposentadoria mais longe e com menores pensões, mas não se gerou empregos nem impulsionou a economia. A crise desencadeada com o coronavírus acentuou dramaticamente uma dinâmica de queda da economia que já estava em curso. Depois de ser estrela, Guedes hoje está em segundo plano no governo.

Em relação à crise do coronavírus em si, Bolsonaro assumiu uma postura de negação, dizendo que era uma gripezinha, que era invenção da mídia e da esquerda, indo na contramão de todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e posturas adotadas por outros países frente à pandemia. Pela narrativa de Bolsonaro o mundo todo está errado e ele é que está certo. Essa postura se chocou com o ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que resolveu seguir a orientação da OMS contra as sandices do presidente e que terminou exonerado.

Quais as razões de Bolsonaro?

Mas qual as razões para Bolsonaro bancar uma interferência política direta na Polícia Federal mesmo com o risco de um desgaste de grandes proporções junto à sua própria base de apoio com a saída de Moro?

As respostas estão bem próximas do presidente, na sua própria família. Casos como do assassinato da vereadora Marielle Franco, do envolvimento com milícias no Rio, o esquema de laranjas no PSL (seu ex-partido), o esquema das “rachadinhas” do qual um dos operadores é seu amigo pessoal e ex-funcionário da família – o Queiroz, o mal explicado depósito na conta da primeira-dama, o envolvimento de Carlos Bolsonaro com as “milícias digitais” que difundem informações falsas (fake news) contra desafetos de Bolsonaro, o esquema de lavagem de dinheiro na loja de chocolate do senador Flávio Bolsonaro, todas essas questões nos dão uma pista da ânsia de Jair Bolsonaro em querer controlar com mão de ferro a Polícia Federal.

A demissão de Moro agrava a crise política do governo.  Moro ainda dava uma aura, um verniz, de que se combatia corrupção e a criminalidade. Sem Moro esse verniz cai e o governo perde ainda mais credibilidade.

A crise política tem reflexos também na economia, pois passa para o “mercado” uma situação de grande instabilidade. Não por acaso ao final da fala de Moro o dólar chegava a R$ 5,68.

 

Eber Benjamim – Gazeta Trabalhista

Foto: Bolsonaro empossa Moro – Valter Campanato (Agência Brasil)

 

 

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