Vanessa Ricarte e a Casa da Mulher Brasileira: mais uma tragédia evitável

Vanessa Ricarte e a Casa da Mulher Brasileira: mais uma tragédia evitável

Em resposta ao alarmante número de cinco feminicídios em apenas um mês no estado de Mato Grosso do Sul queremos chamar a atenção para a instituição casa da Mulher Brasileira, instituição para a qual prestamos consultoria, que resultou não só na avaliação dos serviços da CMS de Campo Grande, mas também em uma série de sugestões que visam tão somente evitar que casos como o de Vanessa Ricarte, jornalista que procurou a instituição horas antes de ser assassinada por ex-noivo, Caio Nascimento.

No período de outubro de 2018 a outubro de 2019, nós, um grupo de mulheres, feministas e pesquisadoras formadas nas áreas de Antropologia, Direito, Jornalismo, Psicologia, Sociologia, estudamos de forma autônoma e apartidária os serviços prestados à essas mulheres que chegam à Casa da Mulher Brasileira em situação de extrema vulnerabilidade. Solange Dacach, socióloga, com experiência de atuações no desenvolvimento de políticas de enfrentamento da violência contra a mulher; Priscila Anzoategui, antropóloga, especializada em estudo da violência contra a mulher nas comunidades indígenas do MS[1], a mestre em psicologia Carlota Phillipsen, psicóloga, Karla Waleska Melo, cientista social, e Pauliane Amaral, jornalista e doutora, que se destacou pela luta do reconhecimento legal do assassinato de sua irmã, a musicista Mayara Amaral, como feminícidio e a crítica à maneira com que a imprensa tratou do crime, revelando a perniciosidade com que a mulher vítima de feminícidio pode ser tratada.

O resultado desse trabalho de imersão no dia-a-dia da Casa foi a criação de um relatório final, entregue em março de 2020, contendo inúmeras recomendações para o melhoramento dos diversos serviços então oferecidos pela Casa da Mulher Brasileira. Até hoje não se sabe se nossas recomendações foram ao menos lidas com a devida seriedade. Também não sabemos se com as mudanças de gestores políticos esse relatório foi compartilhado, seja em nível federal, estadual ou municipal. Nesse universo de perplexidades e questionamento sobre o quanto o Estado Brasileiro leva a sério o dever de nos proteger. Por isso nos perguntamos também sobre as finalidades reais das Consultorias realizadas para avaliar ou estudar as políticas financiadas com dinheiro público.

Diante do que vimos, ouvimos, sentimos, propusemos, recomendamos, nos perguntamos: o que realmente foi feito para a melhoria do atendimento? Por que a morte de Vanessa Ricarte não foi evitada? Por que uma mulher que precisou fugir do cárcere privado para pedir ajuda e foi morta horas depois de solicitar medida protetiva na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM)? A culpa não é da DEAM ou das delegadas que ali trabalham, como alguns acreditam, mas de toda uma falta de ajustes, que uma instituição – especialmente uma precursora como é a CMB – naturalmente precisa passar de tempos em tempos. Esse ano a CMB de Campo Grande completou 10 anos de funcionamento e já é mais que tempo de mudar o que não funciona e ouvir mais as mulheres que usam o espaço, apurar a comunicação entre profissionais de tão distintas áreas e qualificações que se fazem indispensáveis para o funcionamento dos serviços. Onde foram parar as sugestões de melhorias contidas no relatório final da consultoria que atuou por um ano dentro daquela Casa? Parece haver um excesso de interesses pessoais que permitem que se engavetem recomendações que poderiam não só salvar vidas, mas também gerar conhecimento, criar uma ponte com a sociedade – ouvir mais as próprias mulheres atendidas, humanizar no sentido mais radical da palavra -, ter como objetivo não só a expansão dos serviços, mas também a sua eficácia.

Entendemos que criar a Casa da Mulher Brasileira foi um primeiro e importante passo para garantir a aplicabilidade da Lei Maria da Penha e outras ferramentas de proteção. Agora nos questionamos mais uma vez sobre a efetividade dos serviços oferecidos pela Casa da Mulher Brasileira e pedimos que o nosso trabalho seja reconhecido, lido e discutido para que tragédias como a de Vanessa Ricarte não se repitam.

Em momentos de fragilidade institucional como o que estamos passando devemos nos perguntar quando vamos começar a ouvir as mulheres que usaram e usam a Casa da Mulher Brasileira?, a mulher para a qual a vida pode depender de alguns ajustes que demoram ou nunca acontecem. Para as autoridades políticas e administrativas que se interessarem, pedimos que procurem o relatório, leiam, discutam, divulguem, mudem. Esse documento feito por quem tentou pensar maneiras de aprimorar o serviço esperando que um dia ele não seja mais tão necessário quanto é hoje.

Carlota Philippsen

Karla Waleska Melo

Pauliane Amaral

Priscila Anzoetegui

Solange Gandur Dacach

[1]Dos últimos cinco feminicídios ocorridos no MS, três tiveram como vítimas mulheres indígenas (Juliana DominguezEmiliana Mendes e Gabriela Araújo Barbosa)

(Foto: Wilson Dias – Agência Brasil)

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